sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O Dólar dos Pobres



A ingrata classe média teve anos de ouro, e não percebeu isso.

A uma média de R$ 2,00 a unidade, o dólar estadunidense foi o terror dos esquerdistas mais antipáticos, para os quais os turistas da dourada classe média só se prestariam a comprar muambas no eixo Miami-Orlando...

Esquerdistas mais inteligentes, por outro lado, sabiam que a “nova classe média”, ou seja, os não-nascidos em berços mais elegantes, poderiam usufruir das maravilhas culturais do “Ocidente”, empoderando-se, portanto, às custas de uma paridade monetária favorável a nós!

Mas a velha classe média e partes da esquerda insistiram no discursinho populista de que um real valorizado “desindustrializaria” nosso “parque industrial” e levaria os “exportadores ao colapso”....

Belas armadilhas para os incautos!

Ora, se a nossa indústria não se modernizou, foi pela sua intrínseca mediocridade, a mediocridade daqueles que somente se fiam em um mercado consumidor sem exigência alguma! Com um real valorizado, a importação de tecnologia, o intercâmbio de funcionários, a entrada de novos bens, mercadorias e serviços ficaria facilitada para novas experiências, novas fronteiras, inclusive tecnológicas...

Mas isso não aconteceu. Contentaram-se, todos, com o mundo novo dos Malls da Florida, como se isso fosse a única coisa a ser extraída daquele Real forte...

E o tempo passou, veio a Copa, nosso parque hoteleiro continuou na mesma, empresários de todas as sortes, inclusive dos setores de serviços (donos de restaurantes, agências de turismo, taxistas, etc), aproveitaram para explorar ao máximo o turista e milhares de estrangeiros pegaram um tamanho asco do Brasil que nem pensariam em colocar os pés aqui nas próximas vidas...

E o câmbio, maravilhoso para nós, que poderia transformar nossos portos, aeroportos, estradas, metrôs e demais equipamentos de mobilidade, foi para o ralo da crise da burocracia judiciária, econômica e de confiança que permeia o Brasil de sempre. Um país de costas para o mundo...

Nós poderíamos ter mostrado ao planeta o que uma moeda forte consegue comprar e transformar em termos de sociedade, assim como o Reino Unido tem feito há mais de 200 anos, pois, mesmo com uma Libra fortíssima, o Reino Unido não deixou de ser exportador e importador atroz de bens, serviços e mercadorias, possuindo um dinamismo inerente na área do comércio internacional...

Mas nós, à melhor maneira lusitana, preferimos nos isolar nos mitos recorrentes da nossa Burocracia: se a moeda está forte, controlemos a importação! Se a moeda está forte e o mundo olha para nós, deixemos as obras públicas e tudo o que circunda nas mãos dos mesmos players, dos mesmos empreiteiros, advogados, engenheiros, consultores, etc...Até a mídia não se modernizou, toda a TV aberta foi cedida a pastores e o nosso espaço de telecomunicações é fechado para o resto do mundo...

Então o mundo, por um momento, achou que o Brasil era um país sofisticado, evoluído, com uma moeda forte capaz de engendrar a troca de técnicas e conhecimentos...Mas o que, no fundo, o mundo viu, foi um país conservador e imaturo, imerso no anacronismo cristão e nas simbioses putrefatas que rondam os interesses de seus poderosos, de todas as esferas, em todos os níveis, inclusive de sua intelectualidade universitária...

O mundo viu isso, é fato, e como palhaços em um carnaval triste, os poderosos (de todos os poderes) do Brasil ainda tentam tirar de seu povo pobre as suas últimas gorduras...

E, à luz do que o mundo viu, houve a resposta do mercado: a moeda deste país não pode custar tanto. Um país que só exporta carnes, farelos e rações tem que ser um país de moeda barata...Logo, com o real desvalorizado acabaram os sonhos do dólar dos pobres, e o “verdadeiro” dólar voltará para as mãos daqueles que detêm o patrimônio rural, para a elite de sempre que movimenta somente 3% da força de trabalho do país e que acumula riquezas indescritíveis e, para a classe média assalariada, que viu sua renda fixa murchar em face da desvalorização, sobrarão apenas as fotos tiradas por Iphone da última viagem para Orlando...

O Brasil perdeu uma ótima oportunidade de conhecer o mundo. Todavia, o mundo conheceu o Brasil...

sábado, 5 de setembro de 2015

O Rocky F(ASS)book Show e a Polegada Raivosa de Cesar Almeida



Mais uma noite de garoa nesta cidade-provação e lá vou eu acompanhar a estreia de AAASSS, de Cesar Almeida. Com Maite Schneider e Claúdio Fontan, além do Cesar, autor e ator.

A peça é mais uma na trajetória do teatro-queer de Cesar. Aliás, quem não sabe o significado cultural do termo “queer” não terá uma definição minha aqui, deve ir ao teatro. Não explicarei nada, nada mesmo, nem telegraficamente, nem por tweets, nem por whatsapp, nem por emoticons.

Cesar catalisa o teatro-queer e é um dos principais nomes deste movimento no Brasil. Alguns outros, mais “mainstream”, tentam fazer comédia-queer para o gosto dos mais conservadores, a exemplo do Falabella. Mas este não é o objetivo de Cesar: ele é contracultura, ele é fechativo, ele lacra e o mundo do facebook não lhe pertence. Ele não denuncia nada, ele enuncia com um grande ASS que é nossa sociedade de hoje, sociedade vaporizada e engaiolada. Sociedade-peido, silenciosa e terrível, julgadora e mordaz, mas ladina, que se pretende santinha, profundamente solitária e paranoica, estratificada e ensimesmada nos “gadgets”, em que antidepressivos são combinados ao facebook, ao tinder, ao grindr e tantas outras escrotices que ceifam, no dia-a-dia, as possibilidades de contato real e com local.

Real? O que há de real no Facebook? Ele é, no seu âmago, um F(ASS)book. A rede social por excelência. O “Orkut” era mais pobrezinho, diz a elite. Na maior parte dos casos, as postagens mais escrotas merecem mais e mais curtidas. No seio familiar e dos amigos-inimigos (há uma linha tênue entre amizades e inimizades neste mundo líquido), aquelas fotos de garrafas de vinhos, de jantares, ou viagens com um mar turquesa ao fundo, casais que se odeiam em fotos de duplas. Duplas, triplas, coletivos de babaquices a te apontar os dedos: sofram seus ‘losers’, este mundo não pertence a ti, mas você pode conferir a nossa felicidade!

E os felizes, os “winners”, tentam incutir esta ideia de inadequação, de fracasso, de vazio para aqueles que realmente se importam! Ora, bichas, mas todos se importam no fundo! Não aprendemos que somos seres sociais? Só ainda não descobrimos como interagir. Felinos selvagens nas savanas africanas interagem melhor que os seres humanos com as suas ONUs, OMCs, governos, maçonarias, rotarys, etc. O teatro-queer vem e diz isso: fodam-se vocês todos, o tipo de sociedade que vocês criaram só serve a 20% da população mundial, é excludente e assim que seja...

Mas se o tipo de sociedade que os dominantes criaram só serve a 20% da população mundial, como explicamos a democracia do F(ASS)book? E quem disse que há democracia no F(ASS)book? Há normatização, oculta com os seus sistemas de segurança digital, onde todos são monitorados remotamente e os padrões de relacionamento seguem os mesmos dogmas provincianos da sociedade real, com suas violências, contradições e gritos surdos...

Sempre fomos solitários, e a solidão independe dos nossos amigos ou familiares. Há pessoas mais ou menos solitárias, há pessoas que acham a solidão uma dádiva. Há pessoas que criam na solidão. Todavia, há milhões de outras que sofrem com o ócio da solidão, e estes ociosos digitais têm no F(ASS)book e nos outros aplicativos de “smartphone” uma válvula de escape para este “estado de solidão”!

Ledo engano: ninguém deixará de ser sozinho no F(ASS)book! A solidão é só compartilhada, vigiada, monitorada. Todos são psicólogos sinceros no f(ASS)book, com especialização em sociologia, gastronomia, economia, ciências políticas, etc...mas, no fundo, ninguém quer erudição alguma, os bem-casados comportam-se como “voyeurs” de tudo; os recalcados preparadíssimos para atacar a tudo e a todos; os psicopatas à espreita de seus semelhantes; os juízes à espera de seus delinquentes...Tudo isso são reflexos de causa uma-só: a autofagia de todos nós, nossa profunda carência como ser que morrerá um dia; nossa finitude e nossos desejos sexuais, somos carnívoros, queremos devorar e sermos devorados.

ASS fala de tudo isso com comédia, afinal é queer. O autor me disse que se inspirou em 'Hedwig and the Angry Inch'. Mas onde está a polegada raivosa de Cesar Almeida? Em todos os lugares está a crítica da normalidade e do corriqueiro. É impossível sair do espetáculo sem se sentir um pouco abandonado e sozinho e ao mesmo tempo desconfiado das redes sociais.

Porém, apesar da desconfiança “nas” redes sociais (e seus “apps”), as mesmas se tornaram o “crack” das classes médias mundiais, e a nossa vida será pautada por esta histeria por muito tempo, até que os gordos com ternos cafonas que mandam em nossos destinos se apropriem desta mídia para que outros jovens ambiciosos a substituam por algo que ainda não conhecemos...

Seja inspirado em Hedwig, ou em Rocky Horror Show, ou em Café da Manhã em Plutão, Cesar Almeida solta a mão e faz um desenho livre destas relações sem perspectiva que nos ocupam em nosso cotidiano. Relações fugidias que fazem esquecer, ao menos temporariamente, do nosso profundo vale de tristezas íntimo.

Aldo Hey Neto (3/9/2015)

Agenda:

Teatro Falec (Rua . Mateus Leme, 990) - duas quadras para cima do Shopping Mueller - entre a Pizzaria Calabouço e HOP'N ROLL
De 02 a 27 de setembro de 2015
quarta a sábado – 20h domingo 18 e 20h
Entrada Franca
Produção Rainha de 2 Cabeças
Ingressos gratuitos para toda a população curitibana na temporada de 24 espetáculos.